Por Pe. Ascânio Brandão (Trecho de uma homilia.)
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Já aqui vos mostrei que a moda se impõe como um tirano à nossa sociedade e escraviza a mulher levando-a muitas vezes a sacrificar as leis da modéstia, da honestidade e do pudor.
Há, porém, uma vítima, uma escrava da moda, que lamento sobre todas as outras: é a mulher cristã, a mulher católica e piedosa.
Também ela se deixa prender pelas algemas ignominiosas da moda, também ela paga tributo − e não pequeno − a esta divindade ridícula.
Quantas vezes toma parte, a mulher católica que procura cumprir os seus deveres religiosos, quantas vezes ela se vê nessas reuniões e assembléias do grande mundo, nesses passatempos e bailes, nesses teatros e diversões, confundindo-se com a mulher leviana e indiferente que despreza a religião e escarnece a piedade, vestindo-se como ela, ostentando a mesma falta de recato, mostrando a todos o mesmo impudor no seu vestuário!
Que outra mulher fizesse isso, ainda vá. Que fizesse isso, que, sacrificasse a sua dignidade aos caprichos da moda, por exemplo, aquela mulher sem Fé, que não quer saber da igreja nem da crença religiosa, aquela mulher cujo Deus é o mundo e cuja religião são os seus divertimentos − ainda se explica, embora não se justifique.
Mas que faça isso, que proceda assim a mulher católica, aquela mulher que ama a Deus e a sua Fé, aquela mulher que se honra e enobrece de ser crente e piedosa − é absurdo que não se pode compreender.
Bem sei que a mulher católica que assim procede costuma apresentar razões que a justifiquem. Mas são tão pobrezinhas essas razões!
Ela diz às vezes:
− Eu visto-me assim por causa das conveniências sociais, sou convidada para certas certas reuniões que obrigam a vestir desta maneira.
Oh! Que pobreza de argumento!
Para essa mulher, para essa senhora, as tais conveniências sociais devem colocar-se acima de tudo. Para ela, essas conveniências valem mais do que a sua nobreza de senhora, valem mais do que os seus princípios de católica, valem mais do que os interesses superiores da sua alma, valem mais do que os direitos sagrados do seu Deus!
E calca tudo isto aos pés: dignidade, nobreza, crença, alma, Deus − calca tudo aos pés unicamente para não ferir, para não beliscar o tal ídolo das conveniências sociais!
Ora, isto será tudo o que quiserem, menos procedimento cristão.
O Grande Dever da Mulher Cristã
Minhas senhoras: Eu não ignoro que vós tendes de viver em sociedade, tendes de aceitar certos convites e assistir a certas reuniões, sabe Deus à vezes com que vontade, bem contrariadas, por sinal. Mas, enfim, é preciso condescender e assistir.Nem eu quero, de modo algum, que vós falteis aos vossos deveres sociais de cortesia, de delicadeza, de amizade.
Se, porém, receberdes convite para alguma reunião, onde se queira exigir de vós um vestuário inconveniente e destoante dos vossos sentimentos de católicas, dois caminhos tendes unicamente a seguir: ou rejeitar esse convite, ou então − o que é preferível − apresentar-vos na reunião vestidas segundo a vossa posição social, com distinção, com elegância, mas sem ofender as leis da modéstia e da honestidade cristã.
Acima de tudo, minhas senhoras, deveis colocar a vossa dignidade de mulher, a vossa nobreza de sentimentos, a vossa tradição de família, o vosso amor de portuguesas, o vosso exemplo de católicas, os interesses superiores da vossa alma e os direitos sagrados do vosso Deus.
E lembrai-vos sempre de que não há nenhuma conveniência social, nenhuma, que tenha o direito de exigir a degradação de uma mulher ou o aviltamento de uma senhora.
Mas ainda não cheguei ao cimo do meu calvário. Porque, como já aqui vos disse, eu estou a subir um calvário onde conto ser crucificado. Não cheguei ainda ao cimo, mas vou agora subir o último degrau da encosta.
E quero falar-vos numa outra vítima da moda, que deploro com a mais profunda tristeza: é a mulher católica e piedosa, vestida indecorosamente dentro da igreja.
A moda, minhas senhoras, não se limita a impôr as suas leis e a fazer as suas escravas lá fora, no meio social. A moda entra também arrogantemente dentro do Templo do Senhor e vai insultar a Deus na sua própria Casa.
Quantas vezes se vê a mulher católica entrar na igreja, assistir aos atos do culto e receber mesmo os Sacramentos, de braços nus na sua maior extensão, de vestido decotado, transparente e tão curto, que mal pode ajoelhar-se ou abaixar-se sem que fique descomposta!
E quereis saber o que significa e o mal que causa a mulher cristã que se apresenta na igreja assim inconvenientemente vestida?
A Razão e a Fé dizem-nos que ela vai ali cuspir a Deus um verdadeiro insulto.
Lê-se no Evangelho que o mundo é um inimigo irreconciliável de Deus. São João, no capítulo 17 de seu Evangelho, diz-nos que Jesus Cristo, na última Ceia, quando se despedia ternamente dos Apóstolos, lhes declarou que detestava o mundo, o mundo com a sua frivolidade, com a sua descrença, com a sua corrupção.
E disse mais Jesus: afirmou que não orava, que não pedia pelo mundo.
Ora, vê-de: dos lábios do Salvador Divino saíram palavras de perdão para todos, perdoou até aos próprios algozes que O mataram, rezou e pediu por eles. Só ao mundo não perdoou, só pelo mundo não rezou nem pediu.
Isto mostra-nos bem o horror e a aversão que Jesus Cristo tinha ao mundo, ao mundo frívolo, descrente e corrompido.
E o que faz a mulher piedosa, que se apresenta na igreja e recebe talvez a Comunhão com o seu vestido escandalosamente decotado e curto?
O que faz? Introduz na igreja o espírito do mundo. Num gesto de provocação a Deus, coloca ali diante do altar as divisas do mundo. Nos seus membros descobertos e despudorados, ela leva para o templo e ostenta triunfante a frivolidade, a desvergonha e a desfaçatez do mundo! E recebendo a Comunhão, essa mulher, essa senhora vai obrigar Jesus Cristo a dar o mais estreito dos abraços no mundo, que é o seu mais encarniçado inimigo!
Dizei-me, minhas senhoras: não será isto um insulto, uma afronta feita a Deus?
E quereis agora que vos mostre a grandeza desse insulto, quereis que vos faça sentir bem a gravidade dessa afronta? Então ouvi:
Jesus convertido em Leão
Como sabeis muito bem, o nosso Divino Salvador foi sempre um Modelo de paciência, sofreu imenso e sofreu sem se queixar. Maltrataram-no, caluniaram-no com requintes de crueldade, e os seus lábios nunca soltaram um queixume, nunca formularam um protesto.Os seus lábios Divinos apenas se abriram para implorar do Eterno Pai perdão para os seus algozes. Era um Cordeiro manso, pacífico, que foi imolado sem soltar um único balido.Mas houve um dia em que o Divino Salvador perdeu a serenidade; foi a única vez em toda a sua vida.
Nesse dia, os seus olhos tão meigos despendiam relâmpagos de verdadeira ira, os seus lábios tão serenos tremiam e trovejavam palavras de violenta indignação. O Cordeiro manso transformou-se em Leão furioso.
Sabeis quando isso aconteceu? Foi quando Ele entrou no templo e o viu profanado pelos vendilhões. Encontrou ali uns homens que negociavam em pombas e cordeiros, como se o templo fosse uma praça pública.
E então, indignado e ardendo em ira, lançou mão de um azorrague e expulsou-os dali violentamente.
Custou-lhe mais aquela profanação do templo do que a própria morte, porque a morte suportou-a sem se queixar, a profanação não a pode sofrer sem se indignar.
Aqueles negociantes do templo ofenderam-no mais do que os grandes pecadores de que nos fala o Evangelho. Vê-de como Jesus tratou a Madalena, a mulher adúltera, o próprio Judas que O vendeu: procurava atraí-los a Si com palavras de carinho, de ternura, de perdão. Pois aos profanadores do templo nem sequer os pode tolerar na sua presença!
Isto mostra-nos bem claramente como é grande a ofensa feita a Deus com a falta de respeito dentro do templo.
E o que faz minhas senhoras, o que faz aquela mulher cristã que se apresenta na igreja a receber os Sacramentos com decote exagerado e com a saia pelo joelho?
Faz o mesmo que os vendilhões do templo: vai profanar a Casa de Deus. E procede ainda pior do que eles, porque os vendilhões negociavam em pombas e cordeiros, e aquela senhora decotada, de braços nus, de blusa transparente e de saia subida, faz um negócio bem mais indigno: vai pôr em leilão a sua modéstia, o seu recato, o seu pudor, vai talvez roubar a Deus, ali mesmo no seu templo, muitas almas e muitos corações acendendo neles o fogo impuro da sensualidade!
Aqueles seus membros decotados, descobertos, despudorados, quantos pensamentos ignóbeis vão despertar nas almas, quantos sentimentos indignos farão nascer nos corações?!
E o pior é que semelhante procedimento não tem razão nenhuma que o justifique. Para andar lá por fora decotada e de saia curta, a mulher cristã ainda pode apresentar o tal motivo das conveniências sociais: ter de assistir a certas reuniões onde se exigem vestidos daquele feitio. Mas para se apresentar na igreja assim vestida é que não pode alegar semelhante razão, porque não há ninguém, não há nenhuma conveniência social que a isso a obrigue. Vai assim, unicamente porque quer.
Compreendeis agora bem, minhas senhoras, a grandeza do insulto e da afronta feita a Deus pela mulher católica que se apresenta na igreja com um vestuário inconveniente?
E como é grande também o mal que essa senhora causa com o seu exemplo! Ela vai arrastar muitas outras senhoras a imitarem-na, porque dizem assim:
− Este vestido decotado e curto pode usar-se sem escrúpulo, pois Fulana, que é uma senhora piedosa, também o usa e vai até com ele receber a Comunhão.
E desta maneira vai engrossando a corrente da moda indecorosa, e muitas senhoras com certeza não se deixariam levar nessa torrente, se não fosse o mau exemplo dado por aquela senhora piedosa e leviana.
A Moda na Ação Católica
Aquele universitário, autor da carta que no domingo passado aqui vos li, queixa-se de que também nas fileiras da Ação Católica há senhoras e raparigas que escandalizam pelo mau exemplo da saia curta, da saia de quinto andar.A essas especialmente eu quero lembrar em nome de Deus que dizem servir:− A vossa responsabilidade é enorme, sobretudo se pertenceis aos quadros dirigentes, como tremendas são as contas que ao Senhor haveis de dar pelo vosso mau exemplo. Se não tendes coragem moral de resistir à tirania da moda para reformar em sentido cristão o vosso vestuário, sede coerentes e tomai a única atitude nobre e louvável, e que no dia do Julgamento vos pode valer algumas atenuantes diante de Deus: abandonai quanto antes os quadros da Ação Católica e não continueis a representar uma comédia indigna.
Senhoras que me escutais: Em tudo quanto aqui vos disse, procurei abrir-vos a minha alma de Sacerdote de Cristo e disse-vos o que sentia, com a maior franqueza, com toda a sinceridade.
Vou agora terminar. Mas antes, quero fazer-vos dois pedidos: O primeiro é que me perdoeis alguma palavra mais enérgica que saísse dos meus lábios. Garanto-vos que, se falei com energia, foi apenas em defesa dos vossos direitos, foi unicamente para nobilitar o vosso sexo, pois quero ver a mulher livre e não escrava, quero vê-la livre da tirania da moda, quero vê-la no pedestal da sua grandeza, no trono da sua realeza.
Sim, no trono da realeza, porque a mulher é e deve ser sempre uma rainha: rainha da formosura e da elegância, rainha do sentimento e da bondade e também rainha dos corações. Eu quero ver a mulher conquistar os corações prendendo-os pela sua modéstia, pela sua honestidade.
Foi somente esta − podeis crer − a razão porque talvez falasse com um pouco de energia.
Estou então desculpado e perdoado, não é verdade?
O segundo pedido é este: organizai minhas senhoras, quanto antes uma cruzada santa contra os excessos e loucuras da moda. Vós neste ponto podeis fazer muito, se quiserdes.
E fazendo isso, combatereis pela honra do vosso sexo, pela dignidade e libertação da mulher portuguesa.
Nunca sejais minhas senhoras, escravas da moda. A moda é que deve ser vossa escrava. À moda deveis ditar as leis da vossa inteligência e do vosso bom senso, deveis impôr-lhe os preceitos do vosso bom gosto e da vossa honestidade.
E é aqui no santuário, em volta de Jesus Sacramentado, que mais deve realçar a modéstia e a compostura da vossa toilette. Aqui, à luz radiosa da Divina Eucaristia e sob o olhar de candura daquela Virgem Mãe, estudareis os modelos, os figurinos dos vossos vestidos. Levareis lá para fora esses modelos e vereis então a distinção e a elegância brilhar no vosso vestuário, vereis sobretudo a pureza e a Graça Divina aureolar a vossa fronte.
Dai a Jesus Cristo, em toda a parte, com o preito da vossa Fé a homenagem do vosso vestuário.
A esta Divina Mãe, que tanto vos quer, mostrai-lhe o vosso amor imitando a sua candura e a sua pureza.
E a candura e pureza da vossa alma, não a manifesteis somente no vosso lindo sorriso, mostrai-a também no recato do vosso elegante vestido.
Pregai com o exemplo e pregai com a palavra. Vós que sois crentes, vós que sois católicas, vós que sois piedosas, minhas senhoras, sede também apóstolas. Levai daqui bem gravadas no vosso coração as imagens radiosas de Jesus e de Maria e fazei ressuscitar essas imagens benditas lá fora no mundo, no vestuário feminino. Para que o mundo leviano e corrompido não volte novamente à igreja a insultar Jesus diante do seu sacrário, a insultar a Virgem diante do seu altar.
Trabalhai, senhoras minhas, trabalhai esforçadamente nesta grande obra de apostolado católico, fazendo brilhar no vestuário feminino a modéstia, o recato e o pudor cristão.
E Nossa Senhora que é a Rainha da modéstia e do pudor, Nossa Senhora que é o Modelo perfeito da mulher cristã, há de agradecer os vossos esforços, há de iluminar a vossa alma com o mais lindo dos seus sorrisos, há de fazer baixar lá do Céu, sobre todas vós, a melhor das suas bênçãos maternais.
► Falei-vos aqui do vestuário indecoroso da moda feminina, que o Papa Pio XII enumera em primeiro lugar na lista que apresenta dos principais inimigos da castidade − a virtude encantadora que deve brilhar na alma e no coração de uma noiva.
Mostrei-vos os malefícios dessa rainha tirana − a moda − que tantas escravas traz acorrentadas ao seu carro de triunfo. E não resisto ao desejo de citar aqui um caso, cujo conhecimento talvez seja proveitoso, que li num jornal de Paris − La Croix − e me causou funda impressão.
Uma rapariga francesa, das que se vestem ou despem à moderna, foi vítima de um resfriamento que apanhou num baile. No seu leito de morte, disse ela ao Confessor diante de outras pessoas:
− Meu Padre, sinto-me feliz por vê-lo nesta hora ao pé de mim… Tenho necessidade de perdão. Sou uma vítima da moda. Os bailes, as corridas de cavalos, o desejo de ser vista perderam-me.
Sinceramente me arrependo.
Arrependo-me de ter escandalizado… Tive uma educação cristã, fui piedosa, filha de Maria, mas depois tornei-me escrava da moda. Oh! Foi horrível o meu vestuário e careço de perdão!
Sou culpada, muito culpada. A princípio, foi por ingenuidade que me vesti assim. Mais tarde, não. Sabia que fazia mal, que provocava olhares apaixonados, que era objeto de curiosidades repreensíveis. Agora, quero expiar.
− Sossegue e tenha confiança, Germana − atalhou o Sacerdote. Está a expiar por meio do seu sofrimento. Aceite tudo com resignação, até a morte, se Deus lha quiser dar.
− Já fiz o sacrifício da minha vida ao Senhor − disse a doente − mas isso não basta. Pequei publicamente, quero arrepender-me e expiar publicamente também. Peço-lhe, meu Padre, que diga às minhas companheiras, que diga a todas as raparigas, e em toda a parte, que Germana Duverseau morre vítima da moda indecente, e que lhes pede, no momento supremo de aparecer diante de Deus, que nunca sejam causa de escândalo, pelos seus vestidos indecorosos.
No dia seguinte, era dado à terra o cadáver da pobre menina. As numerosas pessoas que o tinham acompanhado, transmitiam comovidamente umas às outras o impressionante testamento de Germana Duverseau.
Tinha pedido que a envolvessem no véu da sua Primeira Comunhão e que lhe pusessem a sua fita de filha de Maria, como protesto contra os seus loucos ornatos mundanos.
Quase a expirar, disse a sua mãe:
− Oxalá que Deus, ao ver a minha última toilette, esqueça as outras que me perderam, e faça que esta seja a minha toilette do paraíso.
Queridos ouvintes:
Vêem-se por aí tantas Germanas Duverseau na fase da sua loucura mundana! Apraza a Deus que a imitem também no seu arrependimento tão edificante”.
(R. Pe. Ascânio Brandão, “O Matrimônio Católico”, Vol. II, 2ª Part., Homilias 30ª à 35ª, pp. 207-244, 2ª edição, Tip. da Casa Nun’Alvares, Porto, 1944).
Fonte: Acessar o ensaio “Reminiscência sobre a Modéstia no Vestir” no link “Meus Documentos – Lista de Livros”.